Venho compartilhar com vocês uma resenha do livro "Uma garrafa no mar de Gaza", escrita pela francesa Valérie Zanetti. Ela se mudou para Israel na adolescência e passou a maior parte de sua vida no país, tendo inclusive servido o Exército Israelense, onde o alistamento militar é obrigatória tanto para homens quanto para mulheres ao completarem 18 anos. Na leitura do livro, fica claro que Zanetti conhece muito bem a história de Israel, assim como a história e as consequências do conflito entre israelenses e palestinos. Mas, antes de falar sobre isso, vamos para o enredo do livro.
A história começa quando um atentado acontece em Jerusalém, território israelense, o que leva a adolescente Tal Levine a escrever sobre a situação do seu país e também sobre sua vida, pensamentos, sentimentos. Ela, então, decide transformar este texto em uma carta e colocá-la dentro de uma garrafa. Depois, pede ao seu irmão (que prestava o serviço militar perto de Gaza) que a jogue no mar daquela região. Na carta, Tal coloca seu e-mail e pede que o destinatário que encontrar a garrafa escreva para ela.
A garrafa é encontrada por um jovem palestino, Naim, que atende ao pedido de Tal e lhe escreve um e-mail como resposta. Os jovens passam a trocar mensagens. Nelas, falam sobre suas vidas, as quais são permeadas pelos conflitos políticos e bélicos entre os dois países, mas também por conflitos comuns a qualquer jovem.
Eu gostei muito do livro, a história é envolvente, você é completamente conquistada pelos personagens e suas narrativas. Além do enredo ter sido bem construído, a maneira como o romance foi escrito também é muito legal. Zanetti troca o foco narrativo e ora o papel de narrador é assumido por Tal, ora é Naim que narra a história. No meio disso, lemos os e-mails que eles trocaram durante meses.
O romance articula diferentes vozes narrativas e diferentes gêneros (narrativa em primeira pessoa, cartas e troca de mensagens instantâneas) para compor um panorama amplo das emoções e dos pensamentos dos jovens, o que favorece a possibilidade de compreender mais amplamente o que se passa com eles. O processo de conhecer e entender o outro, ainda que seja um outro feito de palavras, contribui com a formação dos jovens de 8o e 9o anos, uma vez que os ajuda a perceber a complexidade das rela- ções e das emoções. (Manual do professor, p. 7-8)
O pano de fundo das narrativas desses jovens é o conflito entre Israel e Palestina, que se iniciou ainda no século passado e parece estar longe de chegar ao fim. A autora conseguiu passar para o leitor de maneira didática e compreensível um pouco dessa história (que é bem complexa!) e, principalmente, conseguiu mostrar como é a vida de dois jovens que vivem, cada um, em um desses territórios. Zanetti fez isso com muita sensibilidade e também responsabilidade. Ela mostra que esse conflito é violento nos dois territórios; causa destruição, morte e sofrimento aos dois povos; mas é muito mais cruel no lado palestino. Nos e-mails de Naim e nos capítulos narrados por ele, fica claro como a condição de vida dos palestinos é mais precária e como eles vivem sob um cerceamento de sua liberdade, do seu direito de ir e vir.
Isso é muito importante, pois historicamente o conflito é mais sangrento e opressor com o povo árabe. O território garantido à Palestina é menor do que o israelense e é intensamente ocupado por colônias e soldados israelenses. Além disso, o poder bélico de Israel é incomparavelmente maior, principalmente porque o governo israelense recebe apoio militar dos Estados Unidos. Um exemplo: em 2016, Estados Unidos e Israel assinaram um acordo de ajuda militar, com duração de 10 anos, no valor de U$$3,8 bilhões de dólares. Isso mesmo, BILHÕES. Talvez você esteja pensando... por que quase não ouço falar sobre isso?! Pois é, este é mais um dos motivos para ler esse livro na escola, pois ele pode fundamentar o debate de questões importantes - e será ainda mais legal se puder ser trabalhado em parceria com os professores de Geografia e/ou História. Eu coloquei, no final do post, alguns vídeos pra te ajudar a entender melhor a história deste conflito que já dura quase 100 anos.
Eu achei "Uma garrafa no mar de Gaza" um livro muito interessante, que vale a pena ser lido e discutido em sala de aula. Com certeza ele vai cativar os estudantes, principalmente porque eles vão se identificar com os dois protagonistas em vários momentos da história. Você já deve estar imaginando que Naim e Tal se apaixonam um pelo outro (se pensou isso, está certa/o), esse é outro aspecto que ajuda no envolvimento dos leitores. Por último, o livro já virou filme e seria muito legal, após a leitura, assistir a sua versão cinematográfica. Veja abaixo o trailer - apenas com esses minutos, já consegui identificar muitas mudanças que foram feitas na narrativa, embora a parte central do enredo se mantenha. Ah! O filme é em francês e, se você procurar no Youtube, consegue achar o filme completo legendado.
ATIVIDADES QUE PODEM SER FEITAS EM SALA DE AULA
1. Pesquisa e apresentação sobre o contexto histórico
Entender o contexto histórico é essencial para entender a vida dos dois jovens, por isso uma das atividades que eu faria em sala de aula seria uma pesquisa sobre o Estado de Israel, o Estados palestino e as duas religiões principais desses territórios - o judaísmo e o islamismo.
Dá pra dividir os alunos em grupo, cada grupo pesquisa sobre um tema. Ao final da aula, eles apresentam o resultado da pesquisa aos colegas. Quando a pesquisa é sobre um tema complexo como esse, eu costumo entregar aos alunos um roteiro com perguntas que devem guiar a realização da pesquisa e a organização da apresentação final.
2. Escrever uma carta-resposta para Tal
Uma atividade bem legal de se fazer é interromper a leitura na p.23 e pedir aos alunos que respondam à carta escrita por Tal. Para isso, eles devem se imaginar no lugar do/a leitor/a da carta e devem usar as informações das pesquisas realizadas para construir tanto essa personagem quanto o conteúdo do texto.
3. Comparar a vida dos dois jovens
É possível pedir para os alunos escreverem um texto comparando a vida de Tal e Naim. Neste texto, eles devem apontar semelhanças e diferenças entre as vidas dos dois. Quando faço uma proposta assim, eu sempre deixo bem claro quantas comparações eu espero encontrar no texto - por exemplo, faço uma proposta bem detalhada e indico que eles devem comparar 2 semelhanças e 2 diferenças. Para ajudar na elaboração da proposta desta atividade, você pode consultar este outro post aqui do blog em que falo sobre o assunto e também este post no meu perfil no instagram, em que falo sobre a importância de elaborar bem a proposta da atividade e de fornecer aos alunos a rubrica de correção.
4. Assistir ao filme e analisar as duas obras
Uma outra atividade possível é assistir ao filme com os alunos e pedir para eles escreverem um texto comparando as semelhanças e as diferenças entre as duas obras. Como sugere o manual do professor disponibilizado pela editora Companhia das Letras, também é interessante ir além dessas comparações, "em vez de comparar o que é igual e o que mudou, é interessante perguntar por que o roteirista incluiu ou excluiu algum acontecimento ou por que modificou algum episódio" (p. 17). Outra ideia é pedir para eles escreverem um texto argumentativo em que devem dizer de qual obra eles mais gostaram e utilizar elementos das obras para justificar esse ponto de vista.
5. Atividades de análise da linguagem do livro
O livro é muito bem escrito e tem várias passagens com metáforas bem interessantes para serem analisadas, interpretadas. Além disso, os e-mails escritos por Naim, por exemplo, são repletos de ironia e eufemismo. É possível selecionar alguns trechos do livro e fazer perguntas que exijam dos alunos uma leitura e reflexão mais aprofundadas de cada trecho.
Você encontra outras sugestões de atividades no Manual do Professor disponibilizado pela Companhia das Letras, baixe o manual abaixo.
Eu ainda não li esses livros com meus alunos. Se um dia ele for adotado por mim, voltarei aqui para atualizar o post com um plano de aula mais completo.
PARA ENTENDER MELHOR O CONFLITO ENTRE ISRAEL E PALESTINA
Para te ajudar a se preparar para as aulas desse livro, eu assisti alguns vídeos que explicam a história e as consequências do conflito entre Israel e Palestina e compartilho abaixo aqueles que achei mais interessantes. Você não precisa necessariamente passar esses vídeos para os alunos (aliás, é muita coisa! Selecione algum vídeo, ou partes de vídeos, para assistir com eles se quiser), mas recomendo fortemente que você assista a cada um deles.
• Série da BBC
A BBC New Brasil fez uma série com 3 vídeos para explicar a origem e as consequências do conflito entre Israel e Palestina - os vídeos são muito bons, veja os links abaixo.
• Vídeo do Nexo Jornal
• Vídeos do canal Tese Onze
Esse canal é produzido pela Sabrina Fernandes, bacharel em Economia, mestra em Economia Política e doutora em Sociologia. Ela tem uma série de vídeos sobre esse conflito e está produzindo um documentário sobre a Palestina chamado Sumud - assim que for lançado, eu atualizo o post. Os vídeos estão reunidos nesta playlist.
Ela também tem um vlog com imagens da sua viagem pela Palestina (A primeira semana na Palestina | vlog 007), quando filmou as cenas que comporão o documentário. Você também pode assistir ao trailer do documentário neste link.
Na seção PARA LER NA ESCOLA, você vai sempre encontrar resenhas de livros literários (também conhecidos como paradidáticos) que são adequados para ler com os alunos do Ensino Fundamental 2. Também haverá sugestões de atividades, exercícios e temas que podem ser trabalhados com os alunos durante a leitura.
UMA GARRAFA NO MAR DE GAZA
Valérie Zanetti
Lançado em 2012, 128 p.
Editora Seguinte
Um homem-bomba se explodiu dentro de um café em Jerusalém. Seis corpos foram encontrados. Uma garota, que se casaria naquele dia, morreu junto com o pai "algumas horas antes de vestir seu lindo vestido branco". E Tal não consegue parar de pensar em tudo isso. Depois de ouvir o estrondo de dentro da própria casa, ela escuta as conversas ao redor, vê as imagens do desastre na TV - o noivo desconsolado, a mãe arrasada, a família em prantos - e se pergunta sobre todas as outras mortes e todas as outras famílias que sofreram com tantos atentados que parecem não ter fim.
E então, numa aula de biologia qualquer, a menina percebe que aquilo que era só um desabafo na verdade deveria ser uma carta, escrita especialmente para alguém da faixa de Gaza, de preferência do sexo feminino e que também tivesse dezessete anos. Assim, Tal coloca todos os seus pensamentos em uma garrafa e pede ao irmão, que prestava o serviço militar perto de Gaza, para lançá-la ao mar naquela região.
E quem estava do lado de lá para recebê-la era um certo Gazaman, um garoto que teimava em revelar a sua identidade porque, ao contrário dela, já não acreditava numa solução possível em terras em que "uma explosão significa necessariamente um atentado". Mas aos poucos aquilo que era raiva, amargura e descrença vai se transformando em amizade e alguma remota esperança de que, algum dia, mais cartas e e-mails sejam trocados e conversas francas como a deles possam trazer a paz para mais perto dos palestinos e israelenses.
Indicado para: 8º e 9º anos (indicação do catálogo da editora)
Temas: amadurecimento; conflitos da adolescência; cultura digital; encontros com a diferença; religião; sociedade e cidadania; Oriente Médio.
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