Salvar o fogo [resenha]
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Salvar o fogo [resenha]

Escrever uma grande obra literária é uma benção, mas também pode ser uma maldição. Porque as expectativas sobre qualquer outra obra que vier depois serão sempre muito altas. E foi assim que eu fiquei, com altas expectativas, ao saber que Itamar Vieira Junior lançaria seu segundo livro, "Salvar o fogo". Comprei um exemplar ainda na pré-venda - até pra garantir minha edição de capa dura - e estava muito ansiosa para lê-lo. Será que Itamar Vieira havia conseguido escrever uma obra tão boa ou, quem sabe, até melhor que "Torto Arado"?


Já adianto que não. Ao menos, na minha leitura.

(E fica um aviso de que esta resenha contém spoiler)

"Salvar o fogo" é, com certeza, um ótimo livro - aqui começo com os elogios. Algo que chamou muito a minha atenção na escrita de Itamar é o fato de suas narrativas serem muito complexas. Eu adoro literatura contemporânea, mas confesso que a maioria dos livros que li recentemente trazem histórias meio "chapadas": poucos personagens, poucos conflitos, uma linha narrativa que começa e segue reta até o fim. Aliás, alguns dos romances contemporâneos que li recentemente poderiam, me parecem, ter sido um conto.


Já Itamar parece ir contra esse "padrão" da escrita contemporânea. Ele conta histórias com muitas camadas, que vão se construindo aos poucos. Fios que vão surgindo, entrelaçando-se, para no final formarem um nó - ou desfazê-lo. Foi assim com "Torto Arado", é assim com "Salvar o fogo". Uma história que acompanha décadas de vida de vários personagens de uma mesma família e que vai entrelaçando suas histórias, suas angústias, seus conflitos. São narrativas profundas e detalhadas, que exigem de nós uma leitura atenta e de muita entrega.


No entanto, embora eu tenha gostado muito do livro, acho que, nele, Itamar Vieira não conseguiu ir além do que já tinha feito anteriormente, principalmente porque muitos dos pontos positivos dessa obra já estavam presentes em "Torto Arado". Por exemplo, a questão dessa história familiar que é ao mesmo tempo a história do Brasil, que narra as lutas de poder intrínsecas a nossa sociedade. As duas obras abordam a disputa pela terra de famílias que moram no sertão da Bahia. Embora no segundo livro haja também questões relacionadas às disputas - religiosas, políticas e territoriais - da Igreja Católica, a distribuição desigual das terras no país é o tema que se repetiu.


Além disso, a oscilação do foco narrativo presente em "Torto Arado" também aparece no segundo livro. Se esse recurso narrativo foi um dos pontos altos da primeira obra, ele já não chama mais tanta atenção na segunda. É uma sensação de: "é legal, mas eu já vi isso antes".


Também me incomodou um pouco em "Salvar o fogo" alguns acontecimentos que beiram o clichê - e aqui vai um SPOILER.


Na obra, a protagonista Luzia é enganada e estuprada por um forasteiro e acaba engravidando. Quando cheguei nessa parte da história, fiquei até um pouco decepcionada de vê-lo inserir no livro um acontecimento que já cansamos de ver até em novela da Globo. Sabe quando você começa a ler e já sabe exatamente qual será o final? Então, aconteceu bem isso.


Veja, não estou dizendo que "Salvar o fogo" é um livro ruim. Pelo contrário, é uma obra literária complexa e muito bem escrita, que merece ser lida e apreciada por todos. Porém, Itamar Vieira Junior ainda vai passar um bom tempo sendo assombrado pelo "fantasma de Torto Arado" e sendo cobrado por um público leitor que espera dele uma outra obra capaz de superar a primeira em qualidade.


Observação: o objetivo deste post não é recomendar o livro para leitura em sala de aula com estudantes. Caso tenha o interesse em fazer isso, recomendo que você, professor(a), leia o livro para avaliá-lo e tomar essa decisão.

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