O filho eterno [resenha e sugestões de trabalho]
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O filho eterno [resenha e sugestões de trabalho]

Hoje é dia de parceria aqui no blog. Para quem não sabe, somos Educadoras Parceiras da Record Educação, o departamento de educação da editora. Record. Durante a parceria, todos os meses, vamos receber dois livros da editora para ler e recomendar para vocês, juntamente com algumas sugestões de trabalho e atividade. Neste post, vou compartilhar com vocês a leitura do livro "O filho eterno", de Cristovão Tezza. Este é um livro mega premiado, foi vencedor do Jabuti em 2008 e também ganhou outros prêmios, como o Portugal Telecom. Neste ano, a Record lançou uma nova edição do livro.

Você viu que, na capa da post, há também um outro livro: "Não era você que eu esperava", uma História em Quadrinhos escrita pelo francês Fabien Toulmé. Coloquei os dois juntos, porque eles têm histórias bem parecidas e podem ser trabalhados concomitantemente. Mas falarei mais sobre isso no final do post - continue a leitura.


Voltemos ao primeiro livro. Em "O filho eterno", Tezza conta a história de um escritor iniciante, com seus 20 e poucos anos, que ainda não conseguiu publicar nenhum dos seus livros e é sustentado pela mulher - confesso que só por isso já fiquei com um ranço imenso do personagem rs. Após alguns anos juntos, a mulher fica grávida e o primeiro filho nasce. Logo após o seu nascimento, o escritor já percebe que "há algo de errado com aquela criança". Os pais ainda não sabiam, mas o filho tinha Síndrome de Down.


O que se segue é um relato bem cru - e pesado e preconceituoso - de um pai que não só não estava preparado para ter um filho com deficiências, mas de um pai que não queria esse filho. Que sente vergonha dele, não consegue amá-lo, só consegue vê-lo como um peso que irá carregar para o resto da vida. Ao longo do livro, são diversas as passagens em que esse pai se refere ao filho com expressões pesadas, de desprezo, como se vê abaixo, na cena em que ele vê o filho pela primeira vez.


Recusa. Recusar: ele não olha para a cama, não olha para o filho, não olha para a mãe, não olha para os parentes, nem para os médicos - sente uma vergonha medonha de seu filho e prevê a vertigem do inferno em cada minuto subsequente de sua vida. Ninguém está preparado para um primeiro filho, ele tenta pensar, defensivo, ainda mais um filho assim, algo que ele simplesmente não consegue transformar em filho. (p. 35)

Pesado, não? É assim que o pai se refere ao filho na maior parte da história. São necessários anos e um desaparecimento da criança para que ele consiga, finalmente, ver ali um ser humano possível de ser amado e de ser transformado em um filho de verdade.


A história começa na década de 1980, época em que pouco se sabia sobre a Síndrome de Down, não havia diagnóstico nem tratamentos adequados e a doença ainda era conhecida como "Mongolismo" e as pessoas que possuíam a síndrome era chamadas de "mongolóides". Ao longo do livro, são narradas todas as dificuldade internas e externas enfrentadas pelo casal (que depois tem uma segunda filha): encontrar um médico especialista, propiciar ao filho o tratamento adequado, encontrar uma escola, prepará-lo para o convívio social etc.


Nós, leitores, somos interpelados pelos questionamentos desse pai que, durante anos, pergunta-se: como será a vida do seu filho? Ele vai aprender a ler e a escrever? Algum dia será capaz de trabalhar? Ele vai ter amigos e relacionamentos amorosos? Como será a vida dessa família? O filho se tornará um adulto independente ou será um filho eterno, que viverá sob os cuidados dos pais para sempre? Quem vai cuidar dele depois que os pais morrerem?


Essas são questões que mexem muito com o leitor. É muito fácil dizer, na teoria, que não somos preconceituosos nem capacitistas, que não podemos excluir pessoas com deficiência, mas como agiríamos se uma deficiência adentrasse a nossa vida na prática? Se saíssemos da maternidade com uma criança com síndrome de down nos braços, não teríamos as mesmas dúvidas, os mesmos medos, as mesmas dificuldades de aceitação? São questões que, como leitora, eu me fiz enquanto lia o livro. E não é fácil. Não é fácil nos colocarmos frente a frente com nossos preconceitos, com nossa dificuldade em aceitar o diferente, com nossa frustração diante de uma vida que não é perfeita do jeito que sonhamos.


Um fato importante a ser revelado é que Cristovão Tezza também tem um filho com síndrome de down. Embora o livro não tenha sido publicado como um relato autobiográfico, perguntamo-nos durante toda a leitura se essa também não é - em parte e em que medida - a história de Tezza e seu filho.


Por isso, foi impossível ler esse livro sem conectá-lo à história narrada na HQ "Não era você que eu esperava". Ela sim é um relato autobiográfico em que o francês Fabien narra uma história muuuuito parecida com a contada por Tezza: um pai que descobre que a filha de síndrome de down apenas após seu nascimento e que precisa lidar com seu próprio preconceito, com sua falta de informação e com a dificuldade imensa de amar aquela filha que "não veio com saúde".



A história se passa na França, então é possível fazer algumas comparações entre Brasil e França em relação ao tratamento oferecido a pessoas com essa síndrome. Como Fabien morou no Brasil, ele mesmo traz essas comparações de maneira explícita em alguns momentos da história e chega a elogiar o SUS.


Uma diferença entre as histórias é que a de Fabien também fala sobre aborto. Na França, o aborto é permitido e ele se pergunta, em alguns momentos, o que teria feito se o diagnóstico de síndrome de down tivesse chegado ainda durante a gravidez. Eles teriam abortado a criança? Há um debate ético bem interessante em torno do aborto e do nascimento de pessoas com deficiência - seria eugenia permitir o aborto de crianças apenas por possuírem alguma deficiência ou doença crônica?


Agora, vamos a parte que mais interessa os professores: esses livros podem ser trabalhados em sala de aula? Com certeza sim, são excelentes obras pra se discutir de maneira sensível e também honesta - expondo, debatendo e refletindo sobre o preconceito e as limitações que existem em todos nós - a questão das pessoas com deficiência. No entanto, faço uma ressalva sobre o livro do Tezza. Eu gostei bastante do livro, mas acho uma leitura lenta. O começo te prende muito, sobretudo porque nos choca ver um pai falar do filho com tanta crueza, porém a história parece que fica um pouco repetitiva, ela não avança, parece o mesmo dia se repetindo todos os dias - e, para aquele pai, talvez fosse isso mesmo. Por isso, não sei se é um livro que agradaria muito os alunos. Se for lido, acho que tem que ficar mais pro final do Ensino Médio.


Claro que há também a possibilidade de ler alguns trechos do livro ou então ler a HQ e compará-la com alguns trechos de "O filho eterno". Em 2016, o livro de Tezza foi adaptado para o cinema, então esta é uma outra conexão que pode ser feita.


Em breve, irei trabalhar a HQ com minha turma do 9º ano, por isso recomendo que fique de olho neste post, porque ele será atualizado com sugestões de atividades.



 

Na seção PARA LER NA ESCOLA, você vai sempre encontrar resenhas de livros literários (também conhecidos como paradidáticos) que são adequados para ler com os alunos do Ensino Fundamental 2 e Ensino Médio . Também haverá sugestões de atividades, exercícios e temas que podem ser trabalhados com os alunos durante a leitura.

 

O FILHO ETERNO

Cristovão Tezza

Lançado em 2008, 223 p.

Editora Record


Aclamado pela crítica e pelo público, "O filho eterno" conta a história do nascimento de uma criança com síndrome de Down coincidindo com o momento de ruptura na vida dos pais. Um filho desejado, mas diferente: nas palavras do pai, na tímida tentativa de explicar para os conhecidos, nos primeiro meses, uma criança com “um pequeno problema”. De início, tudo é estranhamento, e o pai assume que a urgência não é resolver o tal problema do menino – haveria algo a ser resolvido? -, mas o espaço que o filho ocupará, para sempre, na vida do casal.

Em um livro corajoso e emocionante, Cristovão Tezza expõe as dificuldades, inúmeras, e as saborosas pequenas vitórias de criar um filho com síndrome de Down. O périplo por clínicas e consultórios médicos no início da década de 1980, época em que o assunto não era tão estudado, estando ainda envolto por certo grau de misticismo.


NÃO ERA VOCÊ QUE EU ESPERAVA

Fabien Toulmé

Lançado em 2019, 256 p.

Editora Nemo


Nesta graphic novel autobiográfica, Fabien Toulmé fala com emoção, humor e humildade sobre um encontro inesperado de um pai com sua filha que possui Síndrome de Down.


O casal enfrenta o nascimento de uma criança especial. É como uma tempestade inesperada, um furacão. Quando a menina nasce com a síndrome, até então não diagnosticada, a vida de Fabien desmorona. Indo da fúria à rejeição, da aceitação ao amor, o autor fala sobre a descoberta de como é ser diferente.


Indicado para: 9º ano e Ensino Médio.

Temas: História em quadrinhos, deficiência, ética, inclusão, preconceito, síndrome de down, saúde pública.

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