Hoje é dia de parceria aqui no blog. Para quem não sabe, sou uma Educadora Parceira da Companhia da Educação, o departamento de educação da editora Companhia das Letras. Durante a parceria, a cada dois meses, eu recebo um livro da editora para ler e recomendar para vocês, juntamente com algumas sugestões de trabalho e atividade. O livro do mês é "Estela sem Deus", escrito por Jeferson Tenório, que recebeu o Prêmio Jabuti de Melhor Romance com "O avesso da pele" em 2021.
Esta obra (que é e 2018) foi recentemente relançada pela Companhia das Letras com uma nova capa (que você pode ver na capa deste post na página inicial do blog): o quadro "Não exploramos", de Rodrigo Bueno, atualmente exposto na Pinacoteca de São Paulo.
Vou apresentar um pouco da obra e dos temas nela presentes, mas terminarei essa resenha com uma grande ressalva, então leia até o final!
"Estela sem Deus" é um livro escrito em primeira pessoa, a partir da voz e do olhar de Estela, uma adolescente negra, periférica, moradora do Rio Grande do Sul, criada apenas pela mãe, com um pai totalmente ausente. Estela sonha em ser filósofa - como se já não fosse. Eu nunca tinha lido nenhum livro do Jeferson Tenório e fiquei encantada pela poesia de sua prosa. Este é daqueles livros que você quer sublinhar quase tudo, pois há centenas de passagens brilhantemente escritas.
As filósofas são assim: dizem palavras que só vão fazer sentido depois de terem feito certas voltas dentro da gente. (p. 13)
A história se passa no início da década de 1990, tem como pano de fundo as eleições e o governo de Fernando Collor e traz vários elementos característicos dessa década. Quando o livro começa, Estela mora em Viamão, no Rio Grande do Sul. Depois, quando completa 14 anos, ela e o irmão são enviados para o Rio de Janeiro para morar com sua madrinha, pois a mãe já não tem mais condições físicas e psicológicas de cuidar dos filhos. Essa doação - temporária ou não - dos filhos era também algo muito comum no Brasil de algumas décadas atrás.
A obra lança um olhar complexo e empático paras as angústias do que é ser uma adolescente negra em um país machista e racista como o Brasil. Ela traz a complexidade da vida ao abordar temáticas - infelizmente - ainda muito atuais: abandono paterno, aborto, desigualdade social e de gênero, racismo, religião, sexualidade, violência doméstica, entre outros.
A menstruação era uma espécie de vergonha com a qual tínhamos de aprender a lidar. Nosso sangue tinha de ser educado para se esconder dos olhos dos homens. Ainda assim tive a impressão de que aquela explicação sobre minha higiene podia ser algum tipo de afeto. (...) Minha mãe também não me disse palavras de conforto. (...) Não me disse como teria de me acostuma com meu sangue e a idade de que agora eu ganhara do mundo a obrigação de um dia gerar um filho. Só algum tempo mais tarde é que fui compreender Melissa, ao me dizer que ser mulher era uma espécie de condenação. Depois fui para o meu quarto e deitei um pouco. Pensar no meu sangue me entristecia. Queríamos ser livres. Eu e meu sangue. (p. 23)
É um livro que permite um bom trabalho com linguagem em sala de aula, seja pela presença metáforas e outras figuras e linguagem, seja pela própria construção da narrativa que, por exemplo, não tem diálogos marcados pela pontuação.
O livro também aborda questões bem próprias dos adolescentes, como dificuldade de relacionamento com adultos e a sexualidade - começando pelo 1º beijo. E aqui começa também minha ressalva. Embora eu tenha amado o livro, provavelmente não o selecionaria para trabalhar em sala de aula, pois há narrativas detalhadas de masturbação, sexo e aborto. Nunca atuei como professora de literatura no Ensino Médio, então não sei avaliar se esse livro poderia ser lido/estudado por alunos mais velhos, mas com certeza eu não adotaria a obra para leitura no Ensino Fundamental 2.
Abaixo, coloco alguns trechos com esses conteúdos para que possam entender minha ressalva, porém recomendo fortemente que você leia o livro TODO antes de decidir adotá-lo para trabalhar com seus alunos.
Fiquei curiosa para saber como era o membro dele: se ficava duro com rapidez por minha causa ou se ele tinha vontade de tocar em mim. (p.107)
Depois, fui mais adiante e coloquei a mão no membro dele e comecei a acariciá-lo. Ele também passou a mão no meio das minhas pernas. (p.110)
Então, quando Francisco entrou em mim, achei que o corpo inteiro havia entrado junto (...) Toda minha vida parecia estar resumida naquele pequeno lugar onde o membro de Francisco entrava e saía. No início, devagar, e aos poucos acelerando. - este é apenas um trecho do relato da primeira relação sexual de Estela, que vai da p.152 a p. 154.
Estela fica grávida nesta relação. Depois há todo um relato que envolve o procedimento do aborto (por meio da ingestão de remédio), a hemorragia causada pelo aborto clandestino e o atendimento hospitalar consequente disso.
Abaixo, segue o link de um outro texto sobre o livro.
Na seção PARA LER NA ESCOLA, você vai sempre encontrar resenhas de livros literários (também conhecidos como paradidáticos) que são adequados para ler com os alunos do Ensino Fundamental 2 e Ensino Médio . Também haverá sugestões de atividades, exercícios e temas que podem ser trabalhados com os alunos durante a leitura.
ESTELA SEM DEUS
Jeferson Tenório
Lançado em 2022, 184 p.
Editora Companhia das Letras
"Ao pensar dessa forma, uma espécie de tristeza tomou conta de mim porque eu não tinha respostas. As perguntas me doíam e me rasgavam porque eu estava dividida entre o pecado e o pensamento."
Um pouco antes das eleições de 1989, a protagonista deste romance migra de Porto Alegre para o Rio de Janeiro. Entre as duas cidades, entre a infância e a adolescência pobres, acompanhamos a trajetória de Estela em meio a uma sequência de violências, faltas e desamparos a que ela, a mãe e o irmão são submetidos. Manifestando suas inquietações com a vida, as perguntas da jovem perscrutam seu mundo e as dores que carrega. Na relação ambígua com a família, nos embates entre religião e liberdade: a força da escrita de Jeferson Tenório surpreende mais uma vez nesta narrativa sobre crescer num país cruel e desigual.
"Com o ótimo Estela sem Deus, o autor transborda talento ao narrar a experiência de uma adolescente em busca de sua identidade." – O Globo
Indicado para: Ensino Médio.
Temas: abandono paterno, aborto, amadurecimento, conflitos da adolescência, desigualdade de gênero, desigualdade social, racismo, relacionamentos com pais, sexualidade.
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